Entrevistado: Cico Caseira (Ator)
1- Você já foi analisado ?
Bom….Já fiz analise até em “posto de saúde”. A minha ultima terapeuta foi a Mônica Visgo, em Ipanema. Da infância para adolescência me deparei com o seguinte dilema: Tudo que eu sentia parecia natural à minha pessoa, já que me acompanhava desde que me entendo por gente, ou seja, a homossexualidade. Nesta fase da minha vida, aconteceu uma tragédia: Fui violentado por um homem enorme e peludo que me dizia, enquanto me “usava”: “Eu sei que você gosta disso, seu safado”. Claro que fiquei traumatizado. Não entendia e me sentia culpado ou castigado. Passei a ter pesadelos com o King-Kong, aquele gorilão do cinema. Na época foi muito difícil entender que o doente era ele. Tentando me entender e entender o mundo que me olhava atravessado, fui procurar no posto de saúde um terapeuta. Só que posto de saúde é posto de saúde, quando eu ia, a terapeuta não aparecia, sem falar que,às vezes, eu chegava lá e era atendido por outra pessoa. Quando, bem mais tarde, o lado financeiro me permitiu, fui procurar um outro terapeuta. Aí, baixei em Ipanema, no consultório da Mônica Visgo, por três anos. O que me incomodou foi quando ela começou a me dar conselhos do tipo: “Se você quer mudar, esqueça a sua família”, ou “Pense só em você”; ou, o pior: “A sua opção sexual…”. Nunca encarei a minha homossexualidade como opção. Se fosse uma opção, eu teria optado por outra coisa.
2- Isto vem influenciando sua vida? De que forma?
A análise vem até hoje influenciando a minha vida. A primeira coisa que descobri, foi que o terapeuta também precisa de terapia. Deitar no divã de costas para o Terapeuta é continuar confiando nele sem o tal “olho no olho” é enlouquecedor para mim. E isso começou a fazer parte do meu dia a dia, falar sem medo com pessoas que eu não tenho intimidade. E me fez ficar mais atento para não ser manipulado por essas mesmas pessoas. O mais fundamental foi descobrir que não sou perfeito e tentar amenizar os meus conflitos com a imperfeição e a minha insegurança. Foi importante para minha auto-estima e para perder o medo das pessoas. Passei por fases na adolescência que tinha muito medo de não agradar às pessoas e não ser aceito. Me ajudou a trabalhar a palavra rejeição. Toda vez que eu ficava em evidencia numa situação boa ou desagradável, transpirava demais.Era só ser o centro das atenções, pela aparência ou trabalho, parecia que surgia uma cachoeira.Até hoje, às vezes, ainda me pego transpirando, bem menos, em algumas situações. Descobri que poderia ir a uma festa e não me embriagar, pois quando não me sentia bem nos lugares enchia a cara. Ou o que era pior; as vezes ia a um acontecimento social obrigado, porque aquilo fazia parte da minha profissão, badalar. Foi muito difícil para mim, que tinha nos artistas pessoas especiais, perfeitas, sensíveis e grandiosas, até eu descobrir que todos representavam na vida real, foi complicado. Me vi no meio de uma guerra de vaidades, puxões de tapetes, intrigas e panelinhas.Foi uma batalha interior muito grande. Foi duro descobrir através da analise que eu mesmo fazia mal pra mim, eu mesmo me machucava. E, às vezes, literalmente. Por isso, agradeço a analise que ajudou a me lapidar como ser humano.
3- Fale-nos um pouco de você:
Bom, falar sobre mim é muito difícil, mas vou tentar. Sou Libra com Aquário, ou seja, ar com ar. Tenho 46 anos. Sou artista: ator, diretor, autor e professor. Tenho uma relação muito boa com a minha família, meus pais criaram nove filhos. Então, desde criança aprendi a dividir coisas e espaços. Tenho com meus pais e meus irmãos uma relação carinhosa e sincera, todos sabem de tudo. E me ajudaram e continuam ajudando, em relação ao homossexualismo, me vendo como a pessoa mais normal do mundo, apesar de ser uma família muito católica. Sou e levo por opção uma vida franciscana, prefiro pessoas a objetos. Não sou consumista e nem comunista. Trabalho com jovens de todas as classes, acabo sendo um traficante do bem, levo informações de um lado para o outro. É gratificante acompanhar o crescimento e as descobertas. Me sinto quase um perfeito educador. Meu sentimento artístico passa longe de exibicionismo e celebridades. Acho que a arte é uma forma política (não partidária) de ser e de atuar. Minha homossexualidade não tem nada de feminino. Sou um homem e como homem gosto de me comportar, nada a ver com armários, pois esta coisa GAY é apenas mais uma manobra “inteligente” americana de taxar as pessoas. O meu problema é que sou bem paquerado e cantado pelas mulheres e quase sempre mulheres fortes e inteligentes e quando paquero algum homem ,assusto ele. Não levanto nenhuma bandeira. Estou solteiro no momento. A minha profissão me permite pesquisar e estudar sempre. Vivo em busca do belo e não da beleza. Hoje sinto o prazer do tempo, como vinho quando mais velho melhor. Trabalhei e trabalho muito a minha cabeça e minhas emoções, fico feliz por não fazer parte de estatísticas que dizem que quem foi molestado acaba sendo uma pessoa amargurada e que acaba repedindo o mal que passou com outras pessoas. Como falei, trabalho com jovens, inclusive em ONG nas comunidades carentes, e me tornei inimigo numero um dos pedófilos. Adoro trocar idéias e conhecimentos, poderia ter medo de pessoas, mas não. Gosto de: Filosofia, para-psicologia, pedagogia, teologia e sociologia. Tudo isso ajuda na minha profissão. Quanto a Tv, meus trabalhos são quase que pequenas participações, desde o começo não me encaixei no que a televisão espera de você. O vendável. No cinema fiz um filme tempos atrás, “Baixo Gávea” e só agora, de dois anos pra cá ,voltei a namorar o veículo.Fiz “O maior amor do mundo” e “O meu nome não é Jhonny”. Minha área e casa é o teatro. Sempre trabalho com grupos novos e experimentais. Sou inquieto e o experimental me satisfaz mais. O rico é maior. Fico frente a frente com o público (pessoas). E sendo ao vivo o meu domínio em relação ao todo é maior. No palco me sinto protegido, parece que estou numa redoma de luz. E talvez a arte seja um caminho mágico para se criar e desejar uma outra ou nova realidade. Ainda não sei ao certo se arte começou a funcionar como uma auto-defesa.
4- Você diria que a analise foi uma pesquisa fundamental para sua vida?
Por isso digo que a analise é quase que fundamental. Não sei se é fundamental, mas quase é. Porque de analisado você passa a analisar o mundo e as pessoas, e descobre que de perto ninguém é normal.
5- Você já realizou alguma coisa em virtude de ter experimentado ( ou estar experimentando a análise?)
Sim. Realizo-me mais como pessoa. Comecei a escrever, que é uma maneira de contar histórias. Isso vem dos meus encontros de terapia, contar histórias, comecei a transformar minhas histórias, graças ao meu artista, em histórias mais universais. Agora acabei de escrever: “Era uma vez um homem que ainda sonhava..”. Claro que este personagem tem muita coisa minha, mas é universal. O personagem (persona) não tem nome, mas tem um olhar em relação ao mundo que é meu. Em resumo ,agora eu assino embaixo sem medo sobre as coisas que penso e sinto.
6- Quais os projetos para o futuro ?
Continuar atuando num espetáculo solo: “A Beleza da Loucura”. O roteiro é meu e é uma coletânea de textos clássicos, que falam da beleza e das possibilidades de um artista. E vou dirigir, rezo para sair o patrocínio, “Em Buarque no Chico” um texto que conta a história do Brasil, de 1963 até os dias de hoje, só com letras, textos, entrevistas, peças e romances de Chico Buarque.
7- havia alguma coisa não realizada e que vc alcançou depois , ou em virtude da análise?
Sim. Funcionar como líder. Não me esconder por medo do que as pessoas iriam pensar de mim e das minhas idéias. Passei a não me anular mais. E hoje tenho dimensão da minha presença, da minha chegada que sempre é forte e marcante. Passar para o papel de líder foi uma conquista da análise. Saber que posso realizar e comandar. Estar na direção de espetáculos e também na direção de uma escola. Ficar em evidencia era uma coisa que eu não sabia bem como lidar.
8- Como anda sua cabeça atualmente?
Minha cabeça?! Ela anda e anda muito bem. Não só anda como voa e flutua. Ela é o resultado de uma construção diária. Hoje com 46 anos, me sinto as vezes com vinte e poucos, parece que o menino está começando a se acostumar com o adulto. E assustadoramente gratificante fazer parte de um universo em expansão. E como faço parte do todo também continuo em expansão. Hoje já não fico tão assustado comigo e não tenho mais medo de mergulhar de cabeça dentro de mim. Saber que ainda tenho novidades e muitas possibilidades. Me amar esta sendo muito bonito. E principalmente não me violentar mais em qualquer situação é o meu bem maior. Continuo inquieto e inseguro, e isso quer dizer que não tem fim o meu desejo de me colocar no mundo. Hoje me sinto em paz, mesmo sabendo que o mundo não é perfeito e nem eu. Me assusta a violência, a falta de educação, a vulgaridade e o imediatismo. Mas , todos os dias, quando acordo e abro os olhos ,vejo a luz. Sempre sonhei com o futuro e agora eu sei que o futuro é hoje, como vai ser amanhã e depois de amanhã. E o primeiro passo para modificar o mundo é eu sempre me modificar, crescer e me multiplicar. E continuo achando a minha homossexualidade uma coisa muito normal, quase como nascer de olhos claros ou escuros, alto ou baixo, gordo ou magro. Nasci homossexual e não um doente ou anormal. E isso acaba sendo um diferencial. Um diferencial do bem, que me faz bem.
Currículo
CICO CASEIRA
Ator, diretor, professor do teatro “O TABLADO”, Diretor da escola profissionalizante do SATED no Retiro dos Artistas.
Junho de 2007
Melhor professor do mundoo!
ola primo /estou em portugal e adorei saber de ti/ tua prima maria de fatima caseira, lembra os tios estao qui, te mando um grande abraço e seja cada vez mais abencoado com sabedoria cada vez mais e mais de Deus.
um beijinho eu fatima
Cico Caseira, desde que te conheci e desde que fui teu aluno, sou um admirador profundo do teu talento e da tua honestidade pessoal. Em tudo! Me sinto orgulhoso de poder escrever algumas linhas onde, mesmo através de cópias e pesquisas, passo a te conheço um pouco melhor e mais claramente. Um abraço, Diretor!