A anorexia desvelada
A anorexia é o não ser. Cola-se no exterior. Pode-se observar o alcoolismo, a depressão, a drogadicção de todo tipo e, no entanto, nada parece tão absolutamente radical como a identidade que é criada pelo anoréxico com sua condição. A questão do não comer, de pensar-se um obeso que não existe ( ou existe?), de ser no outro de forma tão irremediável.
Há aí uma grande distorção da auto-imagem e é difícil conceber que a mente humana não consiga fazer um acordo com essa forma de se ver a si mesmo.
Então, surge um momento em que parece não haver retorno, por assim dizer. Como aquele “arranhar” na garganta quando o alimento passa e a conseqüente vontade de vômito. Mesmo com tratamento criterioso, sabe-se da luta que se tem a lutar. O alcoólico pode viver uma vida inteira sem tocar no álcool; o deprimido (com medicação ou não) conviver com a depressão. Pode o anoréxico deixar de comer? Pode ele comer? Este o paradoxo, a diferença que é colocada no mesmo pacote.
Penso que aquilo que fica é uma lembrança. Algo que se assimila em dado momento e se torna possibilidade. Aonde aconteceu? Quem sabe no útero, ou antes dele, quem sabe na infância em um momento no qual recebeu-se a influência do outro, desde o olhar até à palavra dilacerante. O que seria a combinação de genes sem a questão a ser absorvida e tornada trauma, ou de que química cerebral se fala se a ampola de experimentação estiver quebrada?
Anorexia, então, é não ser, sendo no outro..”Eles me querem magra!” e, num passe de mágica, o corpo esquelético enche-se de contornos e carnes no reflexo do espelho.
Só um caminho: Olhar entre uma idéia e outra, um pensamento e outro, o espaço da criatividade. Só o silêncio vai levar um anoréxico ao equilíbrio, só desta perspectiva pode-se, afinal, conceber que a armadilha foi posta e precisa ser desarmada.
No silêncio, a palavra dita, “Você está gorda!”, “Você precisa emagrecer, para desfilar!”, “Você precisa ser magra para trabalhar e sustentar a família!…”, pode ser percebida em sua ilusória dimensão. Palavras que vêm do outro, da sociedade e que se colam no interior da pessoa que, via de conseqüência, cola-se no outro. É preciso ser uma testemunha de si mesmo e, deste distanciamento, agir. Dir-se-á que, sendo tão simples, assim, onde o problema?
O Terapeuta chega para este papel, abrir o caminho para a atenção simples que se precisa ter com a finalidade de observar-se a si mesmo, para uma ressignificação da vida, uma nova leitura de si mesmo.
Lê-se, textualmente, em varias matérias, em jornais e Internet, que a causa da doença é desconhecida, com hipóteses de distúrbio psicológico, cujas origens estariam em alterações neuroquímicas do cérebro. Ao mesmo tempo, fala-se de tratamento por equipe multidisciplinar (com psiquiatra, psicólogo, clínico, nutricionista, e por aí vai.)A doença, portanto, desconcerta, distorce, na acepção absoluta da palavra.
O objetivo mais importante, seria a retomada do peso corporal. Como mantê-lo, sem a modificação do olhar do paciente? “Quando você observa a sua dor em profundidade, uma inocência brota em você e então você se conscientiza de que não é o corpo.”(1)A citação é providencial.Ao anoréxico é preciso dar o espaço de reconhecimento, o vazio necessário à ação terapêutica, para que ele tenha consciência de que sua visão do próprio corpo está distorcida.
Ninguém em sã consciência, atento, inala a fumaça de um cigarro, profundamente, até o fundo dos pulmões. É preciso oferecer ao anoréxico, um distanciamento, para que ele, olhando, perceba os limites reais de seu corpo. Sua atenção terá a energia necessária para dar harmonia à sua percepção. Aí,quem sabe, um sentimento de liberdade surja nele e lhe permita perceber que os modelos e valores forçados pela sociedade devem permanecer em sua real dimensão:A da representação.
Por Lin de Varga
(1) Citado em “Da dor ao êxtase”, por Paramahamsa Sri Nithyananda, Jornal “PRANA”, outubro de 2006, Rio de Janeiro.