A poesia não é feita,
Faz-se por meio do poeta.
Vem à tona em meio à água,
Do poço que sacia a sede,
Mas nunca a sofreguidão dela.
Sorrateira, ela é, sim,
Um fio de ouro intocado,
Só visto à caricia da claridade,
Ou na mão de quem o recolhe,
Com cuidado.
A poesia não é vista,
Aparece à visão da surpresa.
É indiferente aos brutos,
Aos que passam e dilaceram.
Não se esconde nos gestos fingidos,
Ou nos que, para matar, esperam.
Não se engane:
Para vê-la, espera.
Se ela aparecer,
Você é.
Se não,
Você jamais será poeta.
Lin de Varga
Eu sabia que me tocava a morte,
mas era um suspiro quase.
Nada que me afligisse,
ou me dissesse sorte.
Olha, que te procurara,
como reino de pequenas urzes.
olha que me olhavas,
mas me dissestes: não urge, não urge.
Como não, os lobos estão nas colinas,
e olham a devastação que fizemos.
não tenho culpa, eu não!
Como não? tomastes a água mineral,
jogastes a garrafa fora.
Mas é preciso que vejas!
E nem pedi, sequer corri primeiro.
minha mãe era o Everest,
e todos à cabeceira.
Berrei, impotente.
puxaram- me pela cabeça.
Por isso, nada fostes vida inteira.
Então, agora olha,
nada urge, espera o asteróide.
Espreito noite inteira.
Os lobos não deixarão a colina,
Virão, virâo, e te olharão ainda.
ainda, e ainda.
Lin de Varga
É com profundo pesar que comunicamos o falecimento de Lin de Varga, renomado psicólogo, ocorrido em 4 de Janeiro de 2024. Lin dedicou sua vida ao estudo e prática da psicologia, deixando um legado de contribuições significativas no campo.
Formado em Psicologia, Bacharelado e Licenciatura, Lin iniciou sua trajetória profissional em 1993, atuando com paixão e empatia em seu consultório particular. Sua generosidade o levou a realizar atendimento clínico voluntário por três anos no Synthesis, ajudando pessoas carentes na Rua Presidente Roosevelt, São Francisco, Niterói, RJ.
Além de sua formação em Psicologia, Lin investiu tempo em aprimorar seus conhecimentos em idiomas, destacando-se no Inglês pela Export Idiomas em Niterói, e no Francês pela Aliança Francesa. Sua busca pelo conhecimento estendeu-se ainda ao campo jornalístico, participando do Curso Popular de Jornalismo no Diário de Notícias.
Ao longo de sua carreira, Lin de Varga demonstrou uma multifacetada expressão artística, com contos publicados em antologias do Rio de Janeiro e São Paulo, e poesias presentes em diversas antologias cariocas. Sua escrita também encontrou espaço em jornais locais, incluindo uma colaboração regular no jornal “O Correio” do Rio de Janeiro.
Lin não se limitou apenas ao mundo das palavras. Sua participação em workshops e cursos, como o “O Teatro Essencial” e a Escola Francesa de Análise Psico-orgânica, refletem sua dedicação com o crescimento pessoal e profissional.
Destacamos ainda suas pesquisas monográficas, como “A experiência real no processo de crescimento psicológico e na personalidade neurótica”, apresentada como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em 1991.
Sua presença e contribuições serão lembradas não apenas na área da psicologia, mas também na literatura e no jornalismo. Lin de Varga deixa um vazio inestimável, e sua ausência será profundamente sentida por todos que tiveram a oportunidade de conhecer e aprender com esse ser humano extraordinário.
Que a luz de sua memória continue a inspirar e iluminar nossas vidas.
” Is there any empty room in your hotel? Yes, for a bachelor.”
O PERFUME NA GAVETA
( Ou Nem Tudo É O Que Parece)
Da gaveta, escapou um perfume que penetrou em Carlo como se fosse bálsamo; mais que isso, era cura para seu estado depressivo até aquele momento.
Quase se adivinhava nele, de fato, uma mudança completa de disposição, como se o perfume lhe trouxesse uma vontade nova de vida.
Fantasiou, mentalmente, a mulher que o deixara ali ;o cheiro que estivera impregnado em seu corpo. Quase pôde vê-la ao sair do quarto, levemente afogueada, um ponto de suor estremecendo sobre a fonte,o corpo sensual no ato de movimentar-se.
Carlo sorriu para si mesmo. Acabara de tomar aquele quarto de hotel. O recepcionista avisara que era o único que restava vazio, “só para uma pessoa”, dissera; e quem o ocupara se fora há pouco.
Agora, ele agradecia pelo perfume que o reanimara.
Bateram à porta. Carlo abriu-a para um homem bastante velho, olhos escondidos por óculos de lentes grossas e embaçadas, com um sorriso no rosto que mostrava a dentadura mal ajustada dentro da boca.
Fumava um cigarro de cheiro forte, e pareceu a Carlo ser de palha.
_ Desculpe _ disse o homem _, acabei de deixar esse quarto. O senhor não achou uma carteira?
Lin de Varga
“O mulato maranhense dizia as saudades do seu coração, tudo o que mais amava com as íntimas energias do seu ser humano. E cantava num tom que era um longo soluço:
Adeus, campo, e adeus mato,
Adeus casa onde morei!
Já que é forçoso partir,
Algum dia te verei.”
(CANAÃ) Graça Aranha.
A princípio – entre o despertar e a vigília –, eu bem podia estar acordando em Ipatinga.
Era uma só nesga de pouca luz filtrada pelo vidro quebrado e empoeirado, mas o ruído de um trem lá fora – inconfundível, martelado –, trouxe – me logo à realidade do quarto infecto. Um inseto volteou sobre minha cabeça, quase formando uma aura e foi estatelar-se na parede mais próxima.
Suzana surgiu do banheiro, difusa à minha perspectiva sonolenta, não sem antes apoiar-se com as duas mãos nos batentes da porta. Seu rosto estava tão pálido que pensei que ela fosse desmaiar, mas não: veio em minha direção – eu deitado ainda – e deixou-se cair ao meu lado. Os olhos dela estavam opacos e, apesar disso, lindos naquele azul de água. Sua tez era tão branca,que parecia iluminar-se.
— Caramba, como você está pálida! – exclamei.
Ela, simplesmente, deitou-se de barriga para cima, arrancou a blusa por sobre a cabeça, deixando à mostra os seios pequenos. Era também assim em Ipatinga.
— Como a gente conseguiu? – ela perguntou.
— O quê?
— Como a gente conseguiu? Todo mundo foi preso.
— Todo mundo, não.
— Uma porrada!
— Sorte, uai!
Ela olhou em torno.
— Esse quarto… Não parece sorte. – Concluiu.
A porta estalou, de repente, e eu me voltei.
— É o vento – eu disse.
— Ninguém vai ajudar a gente…
— Poderão vir nos prender.
— Não era preciso existir fronteiras – filosofou ela. Suzana sempre filosofava na cama,em Ipatinga.
— Não devia existir.
Levantei-me e fui até à mesa que ficava em um canto e cuja sujeira parecia misturar-se àquela da parede. Procurei o resto de alguma coisa na caneca de alumínio.
— Quando vem o homem? – Perguntou Suzana.
— O coiote?
— É, ele.
— Logo de manhãzinha. Vamos pelo deserto. Ele vai nos ajudar.
— É garantido? – Ela quis saber.
— Não sei o que pode ser garantido – respondi. – Ele garante, mas não sei quanto vale a palavra dele. Vamos por uma rota maior, de doze horas. Ele disse que é mais seguro.
Indiquei a ela a caneca, oferecendo-lhe o que bebia. Suzana fez uma careta.
— Coiote, coiote! Que merda! – Desabafou ela.
— Que foda! – Completei. Suzana sempre me dava forças para
praguejar. – Nome feio, coiote. Parece… traição.
— Agenciadores de imigrantes ilegais, é o nome deles – informei. – São perigosos.
Estupram e tudo o mais. Temos que ter cuidado.
Suzana alteou a voz.
— Porra, Tonho, não há como ter cuidado. É jogar com a sorte. Só espero que ele leve a gente mesmo.
— É, alguns já foram enganados.
— Porra, você é bonzinho! Morreu gente adoidado!
Fiquei olhando para Suzana e parecia que ela não me podia ver. “Que dor de saudade!”, pensei.
— Vem cá – ela acenou para mim.
Ao aproximar-me dela – ao sentir-lhe o corpo macio colado ao meu, os seios pequenos tocando meu peito – pensei o quanto era estranho estarmos ali, em um país estrangeiro que só nos
queria devorar e, no entanto, prontos para o sexo. E como a perspectiva de fazer amor era maravilhosa, apesar do quarto fétido e do pouco espaço. Eu não podia deixar de pensar que, de
certa forma, éramos especiais, considerando-se quantos haviam tentado atravessar a fronteira do Estados Unidos e tinham sido presos ou mortos, crianças e mulheres estupradas.
— Oh, Deus, isso é bom! – gritei. Senti que me vinha o orgasmo, uma de minhas mãos apoiadas na cama e a outra segurando meu pênis.
Permaneci ainda sobre ela, como se fosse a minha última esperança de entender o que eu estava fazendo ali, fora do raio de visão de minha mãe.
Bateram à porta. Três toques tão fortes, que me transportaram a badaladas de um sino em uma das igrejas das Minas Gerais.
O homem, fora, tinha olhos turvos como os de um lobo e sua estatura pequena deu-me a impressão de que, em verdade, não existia, ali, à soleira de minha vida.
— Brazuca… – ele murmurou e era como se não soubesse o que estava dizendo; parecia repetir o que ouvira alhures, não tinha voz definida ou sotaque.
A palavra me doeu dentro.
Voltei-me, peguei de uma sacola e entreguei a ele o dinheiro. Conferiu, cuidadoso.
“Coiote!”, pensei com raiva.
Ele me acenou com a cabeça, simplesmente, para que o seguisse. Eu o fiz, sem nenhuma reação, sem palavra, sabendo o que aconteceria. Provavelmente, teria sido muito mais fácil entregar-me à polícia, mas eu já não queria aquele dinheiro de qualquer forma, minha liberdade não existiria também no novo país, só queria voltar para Suzana e a seus braços e ao raio de visão de minha mãe, apesar dela ter partido há muito tempo.
LIN DE VARGA